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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

BOLETIM DA AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INFÂNCIA (ANDI)

Pedofilia ou abuso sexual?
Boletim nº 5 – Brasília – julho, 2010
REPORTAGEM

Saber que esses termos não são sinônimos faz diferença
Conceitos científicos
A Organização Mundial de Saúde considera a pedofilia como a preferência sexual por meninos e/ou meninas pré-púberes ou no início da puberdade. A Associação Americana de Psiquiatria detalha um pouco mais o conceito, classificando o transtorno dentro do grupo das parafilias, que são anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que prejudicam a vida social e ocupacional do indivíduo. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação, a pedofilia “envolve atividade sexual com uma criança pré-púbere (geralmente com 13 anos ou menos)”. O indivíduo com pedofilia deve ter acima de 16 anos e ser pelo menos cinco anos mais velho que a criança com a qual ele tem relação sexual ou deseja se relacionar.
Embora a atual movimentação de governos, meios de comunicação e sociedade civil organizada no enfrentamento da violência sexual represente um grande avanço, a complexidade do tema ainda gera o uso incorreto de conceitos-chave. Um exemplo frequente é a utilização dos termos “pedofilia” e “abuso sexual” como se fossem sinônimos.
Essa confusão terminológica, que se reflete fortemente na cobertura da imprensa, tende a limitar o debate público a uma abordagem criminalista, desconsiderando a dimensão psiquiátrica que a pedofilia apresenta. Isso pode impedir um maior progresso das ações de responsabilização e tratamento de ofensores sexuais, que após o cumprimento de suas penas, voltam ao convívio social.
O conceito psiquiátrico de pedofilia diz respeito ao transtorno comportamental de indivíduos que sentem atração sexual por crianças. “O pedófilo é aquele que preferencialmente tem a sua libido exacerbada com a presença da criança e, principalmente, crianças muito pequenas”, explica o psiquiatra José Raimundo Lippi, presidente da Associação Brasileira de Prevenção e Tratamento das Ofensas Sexuais e coordenador do Ambulatório Especial para Acolhimento e Tratamento de Famílias Incestuosas (Amefi), do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Ao chamar de pedofilia qualquer ofensa sexual contra a criança, somos levados a ignorar o fato de que nem todo abusador sexual é, clinicamente, um pedófilo, como explica a representante do Conselho Federal de Psicologia no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Luiza Moura Oliveira: “algumas dessas pessoas podem ter realmente uma compulsão por sexo com crianças, mas outros apenas se aproveitam de situações em que as crianças ficam mais expostas e vulneráveis para obter prazer sexual”.
Dessa forma, atestar a pedofilia não seria algo tão fácil como se pode imaginar ao acessar algumas reportagens veiculadas nos meios de comunicação, que repetidas vezes vinculam necessariamente o abuso de meninos e meninas a esse transtorno. “O diagnóstico da pedofilia requer uma preferência sexual duradoura por crianças. A maioria das pessoas que molestaram crianças pela primeira vez não são exatamente pedófilos”, afirma o psiquiatra canadense, William Marshall, da Associação Internacional para o Tratamento de Ofensores Sexuais (IATSO).
O papel da justiça
É importante deixar claro também que a pedofilia não é um conceito de origem jurídica, mas um transtorno que pode levar o indivíduo a praticar crimes de abuso sexual, assim como a divulgar e armazenar pornografia infantil. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e a Declaração do Rio para Eliminar a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, por exemplo, não citam o termo “pedofilia”, embora expressem o compromisso de combater a violência sexual contra meninos e meninas. Da mesma forma, a legislação brasileira não recorre em nenhum momento a esse conceito médico. “Não se julga a pedofilia. A tarefa do juiz da infância é dar a sentença de absolvição ou de condenação em um processo sobre abuso sexual”, explica o Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, José Antônio Daltoé Cezar, que integra a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP).
De acordo com o magistrado, quando há um processo, o juiz não procura saber se o réu sofre ou não de pedofilia e deve somente considerar se o suposto abusador tem consciência de seus atos. “A pessoa pode ter esse transtorno, mas isso não afasta sua responsabilidade, se ela tiver agido conscientemente. No conceito médico, o pedófilo é compulsivo, mas sabe o que está fazendo”, ressalta.
Daltoé Cezar explica que, independentemente do agressor sexual ser diagnosticado como pedófilo, ele deverá cumprir a pena estipulada pela justiça. O juiz defende, contudo, que os sistemas penitenciários precisam ser estruturados para que abusadores diagnosticados com transtornos sexuais recebam tratamento antes de retornar ao convívio social. Uma ação como essa poderia reduzir a reincidência.
O papel dos sistemas de saúde
Compromisso
O item 34 do Documento Final do III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes aponta a necessidade de se tratar abusadores sexuais condenados, garantindo, assim, a reintegração segura desses indivíduos ao convívio social após o cumprimento das devidas sanções criminais. Leia o documento:
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Embora ainda não exista um consenso sobre a melhor forma de tratar a pedofilia (ver quadro sobre tratamento), o psiquiatra José Raimundo Lippi afirma que o enfrentamento da ofensa sexual contra meninos e meninas não deve se restringir a uma abordagem criminalista. “O que se tem hoje é o atendimento do clamor público pela punição. Evidentemente que o pedófilo que comete a ofensa sexual é perigoso e deve ser isolado, mas, ao mesmo tempo, ele precisa de tratamento”, afirma o especialista.
Para o psiquiatra, é importante garantir tanto o tratamento de abusadores já condenados quanto o de indivíduos que ainda não cometeram algum crime do tipo, mas se sentem atraídos sexualmente por crianças. Ele avalia, contudo, que um trabalho preventivo junto aos pedófilos é dificultado em função de todo o horror relacionado a casos de abuso e aos tabus da sexualidade. “Uma pessoa teria muito receio de ir até um ambulatório que atende a possíveis pedófilos. No caso do Ambulatório para Famílias Incestuosas, por exemplo, atendemos apenas a casos que foram encaminhados pela Justiça”, observa.
Embora ainda seja difícil que pedófilos reconheçam seu transtorno e procurem ajuda, a psicóloga Maria Luiza Moura afirma que é preciso abrir espaço para que essas pessoas se dirijam voluntariamente para o tratamento. Ela cita o exemplo do “Projeto Invertendo a Rota: Ações de Enfrentamento da Exploração Sexual Infanto-Juvenil em Goiás”, realizado desde 2004 pelo Centro de Estudo, Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil (CEPAJ), da Universidade Católica de Goiás (UCG). De acordo com ela, que participou da coordenação do Projeto, houve a disponibilização de uma linha telefônica para atender pessoas que acreditassem sentir atração compulsiva por crianças. Em 2008, em um período de apenas três dias foram recebidas mais de 200 ligações e pelo menos 50 pessoas foram encaminhadas para tratamento.

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